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Desconsideração da Personalidade Jurídica
Data: 05/10/2020
Categoria(s): Civil, Empresarial

Apesar da grande dificuldade para se chegar a um conceito, podemos dizer que a pessoa jurídica é um conjunto de pessoas naturais, ou patrimônios que possui personalidade própria, constituído na forma da lei (CC, art. 45), que visa à consecução de certos fins. A pessoa jurídica é reconhecida no ordenamento como sujeito de direitos e obrigações. Vale destacar que elas se transformam em entidades que não se confundem com a personalidade das pessoas que as constituíram, nem com as pessoas que se beneficiam por sua atividade, portanto sua personalidade é distinta.

Em regra, os sócios não devem responder com seu patrimônio pelas dividas da pessoa jurídica, levando em consideração a distinção de personalidade. Trata-se do princípio da autonomia patrimonial estabelecido pelo artigo 1.024 do código civil de 2002 que assim dispõe, In verbis: “Os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais”.

O princípio da autonomia patrimonial acaba possibilitando que as personalidades jurídicas sejam usadas como meio para a prática de fraudes, acarretando prejuízos a outrem. Para oprimir essa possibilidade, o doutrinador Rubens Requião trouxe ao Brasil a teoria de desconsideração da personalidade jurídica, na qual permite que o juiz desconsidere a autonomia patrimonial para atingir os bens particulares dos sócios, como se o ato ou negocio jurídico houvesse sido praticado pela pessoa natural.

A lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), foi o primeiro diploma a mencionar a teoria da desconsideração da personalidade jurídica no art. 28 que dispõe, In verbis: “O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica, provocados por má administração”.

Já o código civil de 2002, dispõe sobre o uso indevido da personalidade jurídica quando houver desvio de finalidade e confusão patrimonial para prática de abuso, no artigo 50 In verbis: “Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.”.

A doutrina e a jurisprudência reconhecem a existência de duas teorias para a desconsideração: a) a teoria maior, em que a comprovação da fraude e do abuso, é requisito para que o juiz possa ignorar a autonomia patrimonial das pessoas jurídicas; e b) teoria menor, em que considera o prejuízo do credor motivo suficiente para a desconsideração, ou seja, se a sociedade não possui patrimônio, mas os sócios possuem, basta para responsabilizá-los pelas obrigações. A teoria adotada pelo art. 50 do Código Civil foi a teoria maior, que se divide em objetiva e subjetiva. Na objetiva a confusão patrimonial constitui o pressuposto necessário e suficiente da desconsideração, bastado à constatação da existência de bens de sócio registrados em nome da sociedade e vice-versa; já na subjetiva o que está presente são as hipóteses de desvio de finalidade e de fraude. Nesse sentido necessário se faz mencionar o entendimento do Superior Tribunal de Justiça: “(...) Salvo em situações excepcionais previstas em leis especiais, somente é possível a desconsideração da personalidade jurídica quando verificado o desvio de finalidade (Teoria Maior Subjetiva da Desconsideração), caracterizado pelo ato intencional dos sócios de fraudar terceiros com o uso abusivo da personalidade jurídica, ou quando evidenciada a confusão patrimonial (Teoria Maior Objetiva da Desconsideração), demonstrada pela inexistência, no campo dos fatos, de separação entre o patrimônio da pessoa jurídica e os de seus sócios” (grifo meu). (REsp 970.635/SP, TERCEIRA TURMA, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, julgado em 10/11/2009, DJe 1/12/2009).

confusão patrimonial se configura, quando a pessoa jurídica paga dívidas do sócio, ou este recebe algum tipo de crédito dela, ou ainda quando possui bens de sócio registrados em nome da pessoa jurídica e vice-versa, podendo ser comprovados pela escrituração contábil ou pela movimentação de contas de bancos.

É totalmente possível, aplicar a desconsideração, no processo de execução, quando não encontrados bens do devedor e estiverem presentes os requisitos que a autorizam, solicitando a penhora diretamente dos bens do sócio. Contudo, exige-se a citação do novo executado, se esse não participou do processo.

Admite-se também, a desconsideração inversa da personalidade jurídica, quando é afastada a autonomia patrimonial para responsabilizar a pessoa jurídica pelas obrigações do sócio, como, por exemplo, na hipótese de um dos cônjuges registrar bens adquiridos em nome da pessoa jurídica sob seu controle para livrá-los da partilha a ser realizada em uma separação judicial. Desconsiderando a autonomia patrimonial, será possível responsabilizar a pessoa jurídica pelo devido ao ex-cônjuge do sócio.

Por fim, vale salientar a diferença entre desconsideração e despersonalização da personalidade jurídica, na desconsideração, como já dito, tem-se a regra da autonomia patrimonial, devendo apenas ser afastada para invasão do patrimônio dos sócios provisoriamente e somente para o caso concreto; na despersonalização acarreta a dissolução da pessoa jurídica ou a cassação da autorização para seu funcionamento, como bem esclarece o professor Pablo Stolze Gagliano ao estabelecer que: “o rigor terminológico impõe diferenciar as expressões: despersonalização, que traduz a própria extinção da personalidade jurídica, e o termo desconsideração, que se refere apenas ao seu superamento episódico, em função de fraude, abuso ou desvio de finalidade.” (Novo Curso de Direito Civil, parte geral – São Paulo: Ed. Saraiva, 2.011, pág. 270).


REFERÊNCIAS:

GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil, volume 1: parte geral. – São Paulo: Editora Saraiva, 2011.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, volume 1: parte geral. 10 Ed. – São Paulo: Editora Saraiva, 2012.

REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 23. Ed. Atual. - São Paulo: Saraiva, 1998.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil, volume 1: parte geral. 14 Ed. – São Paulo: Editora Atlas, 2014.


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